segunda-feira, 27 de agosto de 2007

Massacre dos comandos negros 3ª parte

Em frente da primeira embaixada de Portugal na Guiné, pouco depois da independência, Sadjo Camara quis pedir documentos, provar a sua nacionalidade, sair do território. Juldé Jaquité afirma que centenas de ex-soldados esperaram a mesma resposta naquela rua: “Um vice-presidente do PAIGC, Umaro Djaló, chegou lá com a tropa e disse que ou saímos todos dali ou nos arrasava.”
O embaixador português, Sá Coutinho, agora reformado em Ponte de Lima, comenta: “Não tenho ideia disso. Houve uma manifestação em frente da embaixada, mas foram os feridos que queriam assistência para as próteses.” E sobre os fuzilamentos nos três anos em que esteve em Bissau: “Falava-se disso, mas não tínhamos confirmação.”

Juldé Jaquité foi preso durante duas semanas. Depois de libertado, fugiu para o Senegal, onde foi detido pelas autoridades locais: “Queriam recambiar-me para ser fuzilado. Trataram-me como um animal selvagem. Não gosto de falar disso.” Ao fim de um ano, a Associação de Comandos conseguiu transportá-lo para Portugal.

Num dos quartéis em que Sadjo Camara esteve preso, havia 360 prisioneiros. Diz que, por vezes, eram escolhidos dez homens e levados para o mato. Não regressavam. Mas as suas roupas com sangue eram recolhidas e lançadas para a cara dos reclusos: “Penduravam-me de cabeça para baixo, batiam-me, deitavam a comida fora. Um dia chegaram lá e disseram: ‘Tu e tu vão ser fuzilados.’ E mandaram-nos para o mato trabalhar.” Eram cinco da tarde e Sadjo cortava capim, esperando o fuzilamento. Um jipe apareceu. Um homem informou: “Se a ordem não veio de Bissau não podem ser fuzilados.”

Estava há seis anos na prisão quando lhe disseram para ir buscar as suas coisas. Ia ser transferido para a capital. “Estava sujo, com a barba e o cabelo grandes.” Esperava-o um antigo companheiro da instrução dos comandos. O cabo Lopes era, na altura, secretário da embaixada. “Saltei para o barco. Não tinha arma atrás, não tinha farda atrás. Percebi que me iam soltar.” Lopes, que procurara Sadjo na casa do pai – ninguém sabia onde ele estava preso –, decidiu encontrá-lo, libertá-lo: “Deu-me comida, roupas, sapatos, dinheiro. Levou-me a casa dos meus pais. Tirou-me fotografias para o BI e passaporte. Esperou comigo dentro do avião até fecharem as portas. Um jipe dos comandos foi-me buscar ao aeroporto, em Lisboa. Fiquei no hospital militar.”

No quartel, quando Sadjo lá chegou, havia 360 prisioneiros. Quando saíu, sobravam 16.

Em 1971, em Angola, depois de uma acção de pirataria (pirataria era os helicópteros sul-africanos deixarem a tropa a quatro metros do chão, saltar-se lá para baixo e destruir tudo) fiquei com uma menina kamessekele que sobrou, não sei como, daquela benfeitoria [...] Viveu comigo algum tempo, na enfermaria que era uma casa em ruínas num sítio chamado Chiúme. [...] Um dia, ao voltar da mata, não a encontrei. Não me deram explicação alguma, para quê? As coisas passavam-se dessa forma e acabou-se.
António Lobo Antunes, combatente em Angola, escritor

Sadjo conta que, antes de ser preso, o PAIGC chamou os ex-militares portugueses para fazerem um curso e arranjarem trabalho. Tinham de dar o nome, a morada. Mas antes que chegasse a sua vez, um amigo de infância abordou-o: “Ele era do PAIGC. Disse-me para ir embora. Eles queriam saber quem era comando.” Sadjo, como outros comandos nascidos na Guiné, acredita que houve uma acção concertada para castigar, um plano de vingança contra os militares que combateram por Portugal, com particular dedicação aos comandos. Mas admite também que, gente com armas, numa prisão longe da capital, tenha abusado do poder, matando, apenas porque sim: “O PAIGC já era desorganizado antes da independência.”

REVISTA ATLÂNTICO – JUNHO 2005 (3ª Parte) continuação....

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