sexta-feira, 24 de agosto de 2007

Massacre dos comandos negros 1ª parte

E DEPOIS DO ADEUS...O MASSACRE DOS COMANDOS NEGROS DO EXÉRCITO PORTUGUÊS

Franscisco Amadeu Baldé,
um dos comandos que sobreviveram

Não faz muita diferença quem tu és, nem quanto tempo treinaste, nem se és muito duro. Quando estás no lugar errado, à hora errada, vais apanhar.
Em A Barreira Invisível, de Terrence Malick

Durante a guerra pisou uma mina. “Nem ouvi o barulho.” Havia trovões e chuva. O capim era alto. Uma emboscada. Os inimigos iniciaram os disparos após a explosão. “Tinha um buraco na minha perna. Via o osso. Rasguei o camuflado, apertei para não sair mais sangue. Continuei a fazer fogo. Fui evacuado uma hora depois.”

Na segunda vez que foi ferido, Sadjo Camara, nascido na Guiné, comando português, entrou no helicóptero e uma bala perfurou-lhe uma nádega.

Houve ainda um terceiro ferimento. “Era o comandante de grupo e, por isso, o primeiro a saltar do helicóptero – saltávamos de muito alto. Fui logo atingido.” Uma bala que lhe entrou de lado, acima da cintura, e que fugiu pelo outro. “Nem sabia onde estava. Lembro-me da enfermeira. Tiveram de coser-me as tripas.”

Depois, em 1974, acabou a guerra. Mas Sadjo Camara era tropa especial. Usara a boina dos comandos. Tinha recebido uma Cruz de Guerra pelo uso de uma bazuca, no dia em que o seu grupo, na mira do fogo inimigo, ficou preso no lodo de um rio. Um cabo e um furriel desapareceram na água.

Na lotaria da guerra de Sadjo, houve ainda o cabo Martins: “Estávamos a falar. Ele ao meu lado, a comer a ração de combate. Levou um tiro no pescoço e morreu.”

Os comandos, entre as tropas inimigas, eram vistos como fantasmas. Sadjo diz: “Eles tinham medo, diziam que não éramos pessoas, que éramos animais.” Por isso, depois da independência, num fim de tarde de 1975, quando as tropas portuguesas já tinham abandonado o território, militares do PAIGC – Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde – entraram em sua casa, disseram: “Você vai preso, você é comando, vai atacar o quartel-general.” Não vinham fardados. Queimaram-lhe as fotografias, levaram-lhe os galões, ataram-lhe as mãos atrás das costas. “Eu não tinha arma”, conta Sadjo. “Perguntei: Vou atacar com o quê? Com a boca?”

Esteve um ano e meio na cela de uma esquadra de polícia. Durante a visita de um membro do PAIGC, questionou: “Porque fui preso? Não sei.” O homem respondeu: “Eu também não sei.” Em seis anos, nunca foi acusado ou presente a tribunal.

Na parada de um quartel, transformado em prisão, para onde foi transferido, testemunhou o fuzilamento de um antigo comandante das milícias negras do exército português. “Ele tinha uma mulher, quatro filhas bonitas e quatro filhos machos. Estavam lá todos. Despediu-se da família, um a um. Os do PAIGC disseram: ‘Não podem chorar. Quem chora também vai’. Tínhamos de gritar ‘Viva’ e bater palmas.”

REVISTA ATLÂNTICO – JUNHO 2005 (1ª Parte)

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