sexta-feira, 24 de agosto de 2007

Massacre dos comandos negros 2ª parte

Não sinto que tenhamos feito algo de mal. [...] Gosto disto. Fazemos o que queremos, ninguém nos chateia. O único problema é morrermos. E se isso acontecer nem percebemos. Então, porque temos de nos preocupar?
Em Platoon, os Bravos do Pelotão, de Oliver Stone

Os estilhaços de morteiro entraram na perna de Juldé Jaquité durante o ataque ao quartel do PAIGC. “Foi como uma picada primeiro. Estive lá toda a noite.” Já passaram trinta e quatro anos. Em Lisboa, recorda a Guiné da guerra: “Depois de cinco horas não tinha mais munições. Sofremos onze mortos e trinta e nove feridos.” Ou: “Destruímos aquela merda toda.” Juldé justifica a escolha de lados: “Em 1961 o meu avô recusou a palavra do PAIGC para combater. Mataram a minha avó e queimaram a tabanca. Em 1966 mataram o meu pai num ataque. Entrei para as milícias negras do exército português. E a seguir para os comandos.”

Quando o governador, general Spínola, chegou ao território, pediu aos militares para não perderem a guerra, de forma a conseguir tempo para encontrar uma solução política. Um dos seus colaboradores, Carlos Fabião, na altura major, foi convidado para criar o Corpo Especial de Milícias, constituído por soldados negros: “O plano do Spínola passava pela africanização da Guiné, em que tudo seria africano, cooperativas etc.”, explica Fabião. “Tinha de haver uma organização das tabancas e uma cobertura militar para as defender.” Foram colocados soldados das milícias nas terras de onde eram naturais. Dessa forma, protegiam a própria família. O número de militares nas milícias negras chegou aos nove mil.

Depois do 25 de Abril, com Spínola na Presidência da República, Fabião desempenhou as tarefas de último governador da Guiné. Um processo que lhe foi doloroso. Escreveu uma carta ao general em que confessava compreender a necessidade do fim do império, embora preferisse que fosse outra pessoa a resolver todos aqueles problemas. Fabião recorda que lhe disse: “O senhor tem o direito de me pedir isto, mas está a destruir-me.”

Os primeiros tempos depois do 25 de Abril – apesar de continuarem os combates, e os mortos – foram também de celebração. Sadjo Camara passou uma noite, com o seu grupo, num acampamento do PAIGC. Fabião conta a entrada de soldados inimigos no quartel português: “O nosso sentinela disse-lhes: ‘Camaradas, as armas.’ Eles deixaram ali as espingardas e foram comprar tabaco e cerveja.”

No Verão de 1974, os soldados africanos do exército português receberam os salários de todo o ano, tal como uma guia de marcha ordenando que se apresentassem no primeiro dia Janeiro de 1975. Quase seis meses de licença. Mas os quartéis foram entregues ao PAIGC. E, em 15 de Outubro, as últimas tropas portuguesas saíram da Guiné. Fabião não quis presenciar o arrear da bandeira: “Há uma coisa que me consola. Na véspera da partida, quis trazer os comandantes africanos. Eles preferiram ficar.”

Juldé Jaquité diz: “Entregámos as armas, demos o nome para virmos para Portugal. E quando entrámos no quartel, no dia 1 de Janeiro, não havia lá ninguém.”

Um amigo meu, médico no Serviço de Urgências, disse-me que a consciência dos animais se limita ao aqui e agora, e que o ser humano pode aproximar-se dessa condição se beber cinco martinis enquanto toma um banho de imersão. Como num sábado à noite, se tanto. O resto do tempo... Bem, leiam os jornais e perceberão o que digo. O comportamento humano, noventa e oito por cento das vezes, é uma abominação.
Thom Jones, combatente no Vietnam, escritor

REVISTA ATLÂNTICO – JUNHO 2005 (2ª Parte) continuação....

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